9 de abril de 2012

Há (muitas) vagas para domésticas

"Perco o marido, mas não perco a empregada". A frase vem à tona quando mulheres se reúnem e a conversa toma o rumo dos assuntos domésticos. Brincadeiras à parte, o desespero encontra respaldo nos números do mercado de trabalho. Com o avanço da escolaridade e o crescimento econômico do país, a taxa de desemprego nas ocupações de serviços domésticos despencou de 6,2% para 1,9% (meses de fevereiro de 2003 e 2012) nas principais regiões metropolitanas do Brasil. Para especialistas, taxa tão baixa mostra que não falta trabalho para quem quer ser doméstica - o chamado pleno emprego - no país que carrega heranças da escravidão. Trabalho, portanto, tem: falta é gente disposta a continuar a servir às famílias brasileiras.
- Há uma mudança na estrutura do mercado de trabalho, como resposta a um momento econômico mais favorável. Um cenário que é característica de países desenvolvidos - explicou Cimar Azeredo, gerente da Pesquisa Mensal do Emprego (PME) do IBGE.
A empresária Ana Beatriz Gelio, que já trocou de marido, mas não de empregada, tem total consciência do "apagão das domésticas". Por amor e necessidade, paga um salário acima da média para a sua Madalena.
- Hoje Madalena tem plano de saúde. Faço questão. Quero vê-la bem, feliz. Também insisto que ela faça caminhadas diariamente pela praia e já cheguei a ir com ela numa loja para lhe dar geladeira, fogão, microondas... - disse a empresária, que reduziu a jornada de Madalena. - Ela, que me ajudou a criar meus filhos, já chegou a trabalhar de segunda a segunda. Hoje, vai para casa às sextas após o almoço e não precisa ficar em feriados.
Renda sobe mais do que na indústria
Ana Beatriz faz bem em compensar Madalena pelos anos dedicados. A Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE indica que, nas seis maiores regiões metropolitanas do país, a população ocupada dos serviços domésticos - maioria de empregada - vem encolhendo nos anos recentes. Sai de uma média de 1,685 milhão de trabalhadores em 2007 para 1,554 milhão em 2011 - quase 8% menos. Tendência que continua: em fevereiro, o total de empregados cai mais, para 1,48 milhão - próximo ao nível de 2004. Ou seja: se Madalena for embora, Ana Beatriz vai ter que se esforçar - e muito - para arranjar substituta. Dificuldade que já virou polêmica quando, no ano passado, o ex-ministro Delfim Netto comparou as domésticas a animais em extinção: "Quem teve esse animal, teve. Quem não teve nunca mais vai ter". A frase foi repudiada e o economista precisou se retratar.
Com menos gente disponível para trabalhar em casa de família, o rendimento sobe. E sobe mais do que os avanços das demais ocupações: os ganhos médios - ainda os mais baixos - saem de R$ 603,34 em 2003 para R$ 637,29 em 2011 (5,6%). Expansão acima da observada na indústria - de R$ 1.611,25 para R$ 1.793,18 (5,1%).
- Com os avanços na escolaridade e um mercado de trabalho com mais oportunidades, o emprego doméstico passa a ser uma opção, especialmente para as mais jovens. Com quase metade do contingente dessas trabalhadoras com mais de oito anos de estudo, passa a ser possível buscar oportunidades em outros segmentos, como no comércio, que remunera melhor - completou Azeredo.
Caso de Renata Soraya. Há quatro anos, trabalhava como doméstica numa casa em Copacabana. Mas, para ela, a profissão trazia problemas: passava parte da semana longe do marido e dos filhos e ganhava R$ 500. Infeliz, Renata deixou o emprego e, com o apoio do marido e trabalhando eventualmente como diarista, fez curso de manicure. Não se arrepende. No salão onde trabalha, recebe quase R$ 2 mil por mês. E, hoje, o casal comprou uma casa.
- O uniforme era a pior parte. Eu tinha vergonha e me recusava. Quando você é doméstica, dá tudo pela pessoa e nunca está bom.
Daí, é possível entender o motivo da aflição de pessoas como a engenheira Aline Lopes que precisam de uma empregada doméstica, mas não a encontra.
- Posso pagar mil reais de salário. Mas cadê a empregada? Não consigo sequer marcar uma entrevista.
Mil reais estão longe de ser a média salarial das domésticas. Pela Pnad, do IBGE, com dados de todo o país, 41,36% dos 7,2 milhões de trabalhadores domésticos (93% de mulheres) recebem até um salário mínimo. Num ranking da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em relatório divulgado em 2011, o rendimento dessas brasileiras está entre os mais baixos. De 11 países da América Latina, o Brasil ficou no oitavo lugar, com essas mulheres recebendo por mês 37,7% do rendimento médio dos ocupados. Perde para países como Peru (70,4%), Equador (60,9%) e Colômbia (55,3%). Mas, se mesmo assim, não há candidatas para Aline entrevistar, é porque ela esbarra ainda em outro problema: com a fuga da empregadas para outras profissões, o contingente que sobra é mais velho, e menos escolarizado. Em 2009, trabalhadoras com mais de 45 anos eram 30,2% do total, contra 19,6% há dez anos.
- Altos salários são exceções que aparecem mais nos centros urbanos. A realidade aponta para um trabalho mal remunerado e estigmatizado. Essa condição de ser "quase da família" esconde uma jornada de trabalho pesada, uma vida pessoal que fica de lado e falta de acesso aos direitos trabalhistas - disse Natália Fontoura, pesquisadora do Ipea.
Mas estaria o país preparado para uma sociedade com menos empregadas domésticas?
- Infelizmente não. Nossa sociedade conta com elas: é uma questão cultural. Mudar isso precisa envolver governo, empresas e a própria sociedade - afirmou Natália. - Faltam escolas em tempo integral, a oferta de creches é pífia, não há serviços para pegar e buscar idosos ao longo do dia. Ou seja: falta uma política pública para se estruturar uma sociedade sem empregada. E as empresas não dividem qualquer responsabilidade com os funcionários. O conceito da corresponsabilidade, defendido por entidades internacionais, está distante das corporações. Se o seu filho está doente, isso é problema seu.
- Caminhamos para um encarecimento maior do custo da empregada nos grandes centros. A classe média de outros países foge disso com automação e o marido ajudando. É isso que deve acontecer por aqui . Ora, o salário de uma empregada doméstica pode chegar a US$ 2.500 - complementou Mario Avelino, presidente da ONG Instituto Doméstica Legal.
Mas há empresas que, com políticas de qualidade de vida do funcionário, acabam atenuando a tensão doméstica dos últimos tempos. Há companhias, por exemplo, que permitem o funcionário optar pelo horário que lhe é mais conveniente. Na finlandesa Wärtsila, de fornecimento de equipamentos e serviços para navios, o funcionário pode trabalhar das 7h às 16h, das 8h às 17h ou das 9h às 18h - um detalhe, mas que pode facilitar a vida de quem precisa levar o filho à escola e buscá-lo. No Walmart Brasil, há a possibilidade de os funcionários escolherem horários que melhor se adaptem à vida pessoal e profissional. A IBM tem uma política para profissionais com filhos: a empresa tem um sistema de trabalho em casa voltado para as mães.
- Optei pelos meus filhos. Trabalhar em casa me permitiu conciliar melhor minha vida pessoal à profisssional. Em tempos de escassez de empregada, essa política ganha ainda mais importância. Agora, posso contar com uma diarista e não ficar tão dependente da empregada - disse Christiana Cardoso.
Países que são menos dependentes dos serviços domésticos fizeram seu dever de casa. Os da Escandinávia, por exemplo, financiaram a construção de creches e flexibilizaram a jornada da mulher, permitindo afastamento para cuidar da criança. Na Suécia, cada um dos pais pode se licenciar por até 18 meses, pagos pela Previdência Social. As creches e pré-escolas são subsidiadas pelo governo e a flexibilização dos horários de trabalho é concedida por muitas empresas. Na Noruega, as mães podem se licenciar durante um ano com 80% do salário ou dez meses com salário integral, mas os pais têm de se licenciar por quatro semanas.
- Na Austrália, a licença-maternidade pode durar um ano e uma mulher com filho de até dez anos pode definir seu horário. Há incentivos para os pais irem a reuniões na escola. O que faz com que as famílias não dependam da figura da empregada doméstica - disse Hildete Pereira, professora da UFF.