13 de fevereiro de 2012

O papel das mulheres nas mudanças no mundo árabe

Mais de um ano após o início dos movimentos por mais democracia nos países árabes, os homens parecem continuar dominando, pelo menos na política: é o que indicam os novos governos da Tunísia ou do recém-votado parlamento egípcio.

No Egito, apenas 2% dos representantes do povo são mulheres, embora o país tenha ratificado em 1981 a Convenção das Nações Unidas para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e concordado em aumentar a cota de mulheres no setor político, de acordo com o proposto nas metas do milênio.

Neste contexto, não devemos esquecer que a responsável pelo começo da revolução no Egito foi uma mulher. Em 2011, a blogueira Asma Mahfouz usou o Facebook para convocar a população a transformar o feriado egípcio de 25 de janeiro em dia de manifestações contra a ditadura no país.
Na história recente dos países árabes, as mulheres sempre foram às ruas protestar quando o assunto é de interesse nacional. Na Tunísia, organizações de mulheres se manifestaram nos anos 1940 contra o poder colonial francês. No Egito, Hoda Shaarawi arrancou em público seu véu da cabeça, em 1923, em sua luta pela emancipação das mulheres e contra a ocupação britânica.

Do ponto de vista árabe, a participação feminina nas manifestações públicas em 2011 não foi novidade. Também não é novidade o aumento de jovens e mulheres árabes na internet. Nos países árabes, moças "decentes" não saem de casa quando têm tempo livre, mas ficam em casa com suas famílias. Twitter, blogs e afins oferecem, então, a chance de elas se comunicarem com o mundo exterior. O número de mulheres jovens que fazem uso destas ferramentas virtuais nos países árabes está aumentando.
O que surpreendeu nos últimos anos foi a determinação e a eficiência com que muitas mulheres organizaram as manifestações. Não usaram somente da internet, mas também foram às ruas, de porta em porta buscar apoio.
No Cairo e em Túnis, mulheres de pé, nas ruas, com suas bolsas debaixo dos braços, gritaram palavras de ordem contra o regime, até os vizinhos saírem de suas casas e aderirem à manifestação. Estas mulheres não somente trabalharam nos bastidores das manifestações, cuidando da logística das atividades de protesto, como também marcharam à frente dos grupos, incitando a grande massa.

Impressionante foi também a forma como homens e mulheres integrantes da revolução no Egito se respeitaram e lidaram uns com os outros. Os tabus e as proibições de costume não receberam importância naquela altura, até porque todos lutavam pela mesma causa: a transparência no país e o tratamento das vítimas da repressão contra os manifestantes.

Outra surpresa no que se refere à participação das mulheres nas revoluções árabes foi a firmeza com que elas se opuseram à violência sexual, sozinhas ou em grupo. Tanto na Tunísia quanto no Egito, homens integrantes das forças de segurança tentaram humilhar as manifestantes, ao passar a mão entre suas pernas ou seios, para forçá-las a abandonar o protesto.

No Egito, mulheres manifestantes detidas pela polícia foram obrigadas a passar por uma espécie de "teste de virgindade". As consultas ginecológicas obrigatórias aconteceram, em parte, na presença de policiais, o que foi percebido pelas vítimas como estupro. Muitas dessas mulheres não tiveram coragem de se opor às autoridades por vergonha ou por medo de suas famílias.

Porém uma delas recorreu à Justiça e venceu. Samira Ibrahim, de 25 anos, conseguiu em dezembro de 2011 que os "testes de virgindade" à força fossem proibidos. Fato que fez com que milhares de mulheres fossem às ruas do Cairo protestar contra o conselho militar.

A autoconfiança das jovens mulheres árabes é um indício para as profundas mudanças que ocorrem nas sociedades do Norte da África e do Oriente Médio. Também estruturas familiares estão mudando. Nos países do noroeste da África, a taxa de fecundidade caiu pela metade nos últimos 20 anos. No Oriente Médio, o ritmo é mais lento, mesmo registrando menos nascimentos. Em diversas cidades grandes, se tornou comum as famílias terem em média apenas dois filhos.

Com estas mudanças, as mulheres vêm exigindo também outros tipos de liberdade, como, por exemplo, as relacionadas à vida pública. Porém neste quesito ainda esbarram em uma sociedade patriarcal, uma tendência intensificada com o avanço dos partidos islâmicos e dos movimentos islâmicos conservadores.

Os defensores deste tipo de ideologia pregam, por um lado, a superioridade moral do islamismo e, por outro, a obrigatoriedade das mulheres de obedecer. Defendem, por exemplo, que mulheres não devem desempenhar certos cargos públicos porque seriam emotivas demais.

Outro problema são as discriminatórias leis contra as mulheres vigentes em quase todos os países árabes, sobretudo referentes aos direitos relacionados ao casamento, divórcio e herança. Na maioria dos países árabes, estas leis são extremamente conservadoras, baseadas no islã.

Além destes, também o direito penal é carente de reformulação. Com exceção da Tunísia, os países árabes proíbem veementemente o aborto. O que resulta anualmente na morte de muitas mulheres que buscam o aborto ilegal.

A Tunísia e o Marrocos já mostraram, porém, que no âmbito do direito islâmico é possível reformular algumas leis que antes desfavoreciam as mulheres. Mas, ainda assim, muitas mulheres continuam com problemas nestes países porque juízes conservadores se negam a fazer valer as leis reformuladas. Somente no Cairo, centenas de milhares de mulheres não têm certidão de nascimento ou carteira de identidade.

Fonte: Deustche Welle, por Martina Sabra http://www.vermelho.org.br/sp/noticia.php?id_secao=9&id_noticia=175186