No âmbito do Dia Internacional da Mulher, 8 de março, o Jornal do
Centro entrevistou Elza Pais, uma das vozes mais ativas do panorama
nacional contra a desigualdade e a favor dos direitos das mulheres.
Natural de Mangualde, a deputada do PS, eleita por Viseu com assento
parlamentar, e ex-secretária de Estado da Igualdade, define-se
orgulhosamente como feminista. Fala das conquistas mais marcantes das
mulheres, da importância da igualdade de género para combater a crise e,
apesar de não ter tido ao longo da sua vida as mesmas oportunidades que
os homens, garante que não é piegas.
Recentemente, D. Manuel Monteiro de Castro, novo cardeal português,
defendeu que “cabe à mulher educar os filhos e por isso devem ficar mais
tempo em casa”. Que comentário faz a estas declarações?
Fiquei surpreendida. Aliás, fiz questão de reagir pelo Facebook, à
imagem de outras individualidades ligadas, inclusive, à Igreja Católica.
Esta é uma visão tradicional da mulher com a qual eu não me identifico,
e até mesmo os homens. A nossa sociedade já não se compadece com um
ordenado do marido para fazer face às despesas familiares. A
participação da mulher na vida profissional é uma exigência dos tempos
modernos, porque a família também precisa do salário dela. Contudo,
mesmo que não precise, é um direito de cidadania e participação ativa na
sociedade que a mulher, ao exerce-lo, torna-se muito mais realizada e
feliz. As mulheres gostam de ter uma carreira profissional e fazem
muitos sacrifícios, muitas delas até abdicam de si próprias em prol da
família e dos filhos, nós devemos ter em linha de conta a necessidade
que os filhos têm das mulheres (mães) mas os filhos têm também
necessidade de um cuidado assegurado por parte do pai. Esta foi uma
leitura de uma visão do mundo, que não é o nosso, e por isso a minha
surpresa. Considero que a própria igreja deve rever essa posição porque
mesmo as pessoas que a seguem fielmente não se identificam com esta
imagem que querem disseminar, a mulher em casa e o homem na rua.
Quais as conquistas mais significativas das mulheres e para a igualdade de género?
A lei da paridade. Nós, infelizmente, precisámos de uma lei da
paridade para que as mulheres, e falo de 33 por cento, pudessem entrar
na política de direito. Não queria que os partidos políticos fossem
obrigados a inscrever as mulheres nesses mesmos partidos, gostaria de
ver uma paridade em que a lei não obrigasse os partidos. Mas, o que se
vê, é que quando não há lei, as coisas ainda não estão enraizadas. Por
exemplo, há 12 comissões na Assembleia da República e apenas uma é
presidida por uma mulher. Quando a lei não obriga, prevalecem as lógicas
dominantes, em que os homens ocupam os lugares de chefia. Temos hoje
uma mulher presidente da Assembleia da República, no segundo lugar da
hierarquia do Estado, que muito me orgulha, apesar de não ser uma pessoa
do meu partido, e por isso há divergências que nos separam, mas esta
questão une-nos. Isto prova que estamos no caminho e no impacto das
mudança e as mulheres com mérito, com qualidade, têm oportunidade, não
generalizada, de ocupar cargos de responsabilidade, durante um longo
período de tempo. Este fato, deve-se também ao trabalho desenvolvido pelos
governos socialistas que muito contribuíram para que este dossier da
igualdade de género tivesse avanços significativos no nosso país. A lei
da paridade, a lei contra a violência doméstica, que definiu uma maneira
estratégica de todas as instâncias lutarem para o mesmo fim, em
escolas, polícias, tribunais, porque as mulheres ainda morrem quando são
violentadas e agredidas.
Como é que a promoção da igualdade contribui para ultrapassar a crise?
Promover a igualdade é promover a competitividade e o
desenvolvimento. É uma frase de Michelle Bachelet, responsável pela ONU
mulheres, uma nova entidade criada em 2010, para promover os direitos
das mulheres em todo o mundo. Eu concordo plenamente. Recentemente, o
Banco Mundial, publicou um relatório sobre a igualdade de género, para
2012, em que dá conta que os vários países do mundo, se promovessem o
derrube das barreiras que levam à discriminação, poderíamos ter, em
alguns casos, o PIB dos países aumentado em 25 por cento. As mulheres
não precisam de bondade mas sim de direitos e de oportunidades para
poder exercer esses direitos. As mulheres fazem a ponte entre o trabalho
e a família, e podem ser o garante de uma coesão social, tão importante
nesta altura de crise. Se esta Europa não despertar para a importância
da igualdade, vai pelo mau caminho. Em Portugal as desigualdades estão à
vista. A crise está a chegar a pilares centrais da igualdade de género e
coesão social. As desigualdades sociais são maiores hoje que antes da
crise. Não podemos beliscar questões centrais da Constituição, que no
artigo 9 defende a promoção da igualdade como carácter fundamental do
Estado. A crise é sobretudo financeira mas também ética e de valores e
temos de saber combater todos estes fatores. Os líderes europeus são
fracos e não têm visão de cidadania e de mundo e por isso não estão a
encontrar as melhores soluções face à crise.
Ainda estamos numa sociedade “machocrática”?
Ainda estamos numa sociedade muito sexista. Ainda há mudanças que são
vistas apenas e só ao nível do politicamente correto, e não ao nível da
interiorização de novos valores. Acontece com os políticos de Portugal
que não sentem a causa e por isso há um longo percurso a percorrer. Eu
acredito muito nos jovens e nas novas gerações. Quer por parte das
raparigas que consideram os seus direitos já consolidados e não querem
abdicar e por parte dos rapazes que querem ter outras atitudes para com
as mulheres.
Que mensagem gostaria de deixar às mulheres?
De esperança e que nunca desistam de acreditar naquilo que sonham. Só
a luta é que dá sentido à vida. Vão para a rua e surpreendam. O país depende das soluções inovadoras que
os jovens irão apresentar.
Fonte: http://www.jornaldocentro.pt/?p=7783