5 de março de 2012

“Sempre fui uma voz ativa ao nível da cidadania”

Elza Pais

No âmbito do Dia Internacional da Mulher, 8 de março, o Jornal do Centro entrevistou Elza Pais, uma das vozes mais ativas do panorama nacional contra a desigualdade e a favor dos direitos das mulheres. Natural de Mangualde, a deputada do PS, eleita por Viseu com assento parlamentar, e ex-secretária de Estado da Igualdade, define-se orgulhosamente como feminista. Fala das conquistas mais marcantes das mulheres, da importância da igualdade de género para combater a crise e, apesar de não ter tido ao longo da sua vida as mesmas oportunidades que os homens, garante que não é piegas.


Recentemente, D. Manuel Monteiro de Castro, novo cardeal português, defendeu que “cabe à mulher educar os filhos e por isso devem ficar mais tempo em casa”. Que comentário faz a estas declarações?

Fiquei surpreendida. Aliás, fiz questão de reagir pelo Facebook, à imagem de outras individualidades ligadas, inclusive, à Igreja Católica. Esta é uma visão tradicional da mulher com a qual eu não me identifico, e até mesmo os homens. A nossa sociedade já não se compadece com um ordenado do marido para fazer face às despesas familiares. A participação da mulher na vida profissional é uma exigência dos tempos modernos, porque a família também precisa do salário dela. Contudo, mesmo que não precise, é um direito de cidadania e participação ativa na sociedade que a mulher, ao exerce-lo, torna-se muito mais realizada e feliz. As mulheres gostam de ter uma carreira profissional e fazem muitos sacrifícios, muitas delas até abdicam de si próprias em prol da família e dos filhos, nós devemos ter em linha de conta a necessidade que os filhos têm das mulheres (mães) mas os filhos têm também necessidade de um cuidado assegurado por parte do pai. Esta foi uma leitura de uma visão do mundo, que não é o nosso, e por isso a minha surpresa. Considero que a própria igreja deve rever essa posição porque mesmo as pessoas que a seguem fielmente não se identificam com esta imagem que querem disseminar, a mulher em casa e o homem na rua.

Quais as conquistas mais significativas das mulheres e para a igualdade de género?

A lei da paridade. Nós, infelizmente, precisámos de uma lei da paridade para que as mulheres, e falo de 33 por cento, pudessem entrar na política de direito. Não queria que os partidos políticos fossem obrigados a inscrever as mulheres nesses mesmos partidos, gostaria de ver uma paridade em que a lei não obrigasse os partidos. Mas, o que se vê, é que quando não há lei, as coisas ainda não estão enraizadas. Por exemplo, há 12 comissões na Assembleia da República e apenas uma é presidida por uma mulher. Quando a lei não obriga, prevalecem as lógicas dominantes, em que os homens ocupam os lugares de chefia. Temos hoje uma mulher presidente da Assembleia da República, no segundo lugar da hierarquia do Estado, que muito me orgulha, apesar de não ser uma pessoa do meu partido, e por isso há divergências que nos separam, mas esta questão une-nos. Isto prova que estamos no caminho e no impacto das mudança e as mulheres com mérito, com qualidade, têm oportunidade, não generalizada, de ocupar cargos de responsabilidade, durante um longo período de tempo. Este fato, deve-se também ao trabalho desenvolvido pelos governos socialistas que muito contribuíram para que este dossier da igualdade de género tivesse avanços significativos no nosso país. A lei da paridade, a lei contra a violência doméstica, que definiu uma maneira estratégica de todas as instâncias lutarem para o mesmo fim, em escolas, polícias, tribunais, porque as mulheres ainda morrem quando são violentadas e agredidas.

Como é que a promoção da igualdade contribui para ultrapassar a crise?

Promover a igualdade é promover a competitividade e o desenvolvimento. É uma frase de Michelle Bachelet, responsável pela ONU mulheres, uma nova entidade criada em 2010, para promover os direitos das mulheres em todo o mundo. Eu concordo plenamente. Recentemente, o Banco Mundial, publicou um relatório sobre a igualdade de género, para 2012, em que dá conta que os vários países do mundo, se promovessem o derrube das barreiras que levam à discriminação, poderíamos ter, em alguns casos, o PIB dos países aumentado em 25 por cento. As mulheres não precisam de bondade mas sim de direitos e de oportunidades para poder exercer esses direitos. As mulheres fazem a ponte entre o trabalho e a família, e podem ser o garante de uma coesão social, tão importante nesta altura de crise. Se esta Europa não despertar para a importância da igualdade, vai pelo mau caminho. Em Portugal as desigualdades estão à vista. A crise está a chegar a pilares centrais da igualdade de género e coesão social. As desigualdades sociais são maiores hoje que antes da crise. Não podemos beliscar questões centrais da Constituição, que no artigo 9 defende a promoção da igualdade como carácter fundamental do Estado. A crise é sobretudo financeira mas também ética e de valores e temos de saber combater todos estes fatores. Os líderes europeus são fracos e não têm visão de cidadania e de mundo e por isso não estão a encontrar as melhores soluções face à crise.

Ainda estamos numa sociedade “machocrática”?

Ainda estamos numa sociedade muito sexista. Ainda há mudanças que são vistas apenas e só ao nível do politicamente correto, e não ao nível da interiorização de novos valores. Acontece com os políticos de Portugal que não sentem a causa e por isso há um longo percurso a percorrer. Eu acredito muito nos jovens e nas novas gerações. Quer por parte das raparigas que consideram os seus direitos já consolidados e não querem abdicar e por parte dos rapazes que querem ter outras atitudes para com as mulheres.

Que mensagem gostaria de deixar às mulheres?

De esperança e que nunca desistam de acreditar naquilo que sonham. Só a luta é que dá sentido à vida. Vão para a rua e surpreendam. O país depende das soluções inovadoras que os jovens irão apresentar.

Fonte:  http://www.jornaldocentro.pt/?p=7783